Curitiba, 11 de Março de 2024.
15:32

Artigo: Caso Daniel Alves e o Protocolo Não é Não: avanços e desafios no combate ao assédio e violência sexual no Brasil

Brasil bate recordes de violência sexual em 2023 (de novo!) enquanto o Protocolo Não é Não promete ser mais uma ferramenta de combate a esse tipo de violência. Mas, quais os avanços e desafios que ele representa?

*Por Geovana Machado - Presidente Nacional da Juventude do Cidadania

Já diria Jorge Ben Jor: em fevereiro, tem Carnaval. E junto com as festas e a folia vêm a preocupação com aumento dos casos de assédio e violência sexual, os quais novamente bateram recordes no Brasil em 2023: foram 74.930 casos notificados apenas no ano passado, mais de 8% (oito por cento) em relação a 2021 (FSP, 2023).

Nos bloquinhos, não é raro que as fantasias ousadas ou provocativas sejam usadas como desculpas ou justificativas para o assédio. O próprio Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, à época, emitiu relatório em 2019 informando que há um aumento de 20% nos casos de violência sexual durante o Carnaval (MDH, 2019).

E apesar das campanhas contra o assédio, todo ano o mesmo cenário se repete…

Porém, temos uma luz no fim do túnel! Ao apagar das luzes de 2023, uma grata surpresa: Congresso Nacional aprova Lei nº 14.786/2023 que cria o Protocolo Não é Não, que visa justamente o combate ao assédio e à violência sexual em bares, restaurantes, casas noturnas e em eventos com venda de bebida alcóolica.

Mas, e o que o caso de Daniel Alves tem a ver com tudo isso?

Absolutamente TUDO! O jogador foi condenado por ter estuprado uma jovem numa casa noturna em Barcelona dia 30/12/2022, sendo que o protocolo catalão destinado a proteger às vítimas e assegurar as provas foram fundamentais para a resolução do caso e busca por justiça.

Esse case de sucesso, inspirou diretamente a criação do Protocolo Não é Não no Brasil, oferecendo um passo a passo um pouco mais concreto para que os estabelecimentos comerciais possam dar o primeiro amparo à vítima e acautelar as provas necessárias ao posterior inquérito policial.

Esse protocolo estabelece direitos às mulheres vítimas e um rol de deveres dos estabelecimentos destinados a protegê-la. O foco não é o agressor, tampouco a coleta de provas, mas assegurar um atendimento humanizado à vítima e entender o que ela deseja. Tanto é que os princípios que regem o Protocolo são: respeito ao relato da vítima, preservação de sua dignidade, honra, intimidade e integridade (física e psicológica), celeridade, e esforços comuns do poder público e privado no enfrentamento da violência.

Trata-se, portanto, de um avanço importante na garantia dos direitos e da dignidade sexual das mulheres, especialmente jovens, as quais são, em sua esmagadora maioria, vítimas desses crimes, por três principais aspectos: (i) responsabiliza os estabelecimentos comerciais no enfrentamento às violências; (ii) dá concretude a uma norma abstrata e (iii) o foco é no atendimento à vítima, e não na persecução criminal.

Avanços e desafios na implementação do Protocolo Não é Não!

Primeiramente, o Protocolo inova - e avança - ao incluir o setor privado, especialmente os que atuam no mercado de entretenimento e lazer, como atores importantes no enfrentamento à violência sexual. Isso porque é no interior de muitos estabelecimentos comerciais em que o assédio, a importunação sexual, o estupro, entre outros constrangimentos e violoências, acontecem, ficando a vítima refém da atuação ou negligência do lugar.

Casos como de Mari Ferrer são representativos ao exporem o problema crônico no Brasil sobre a ineficiência dos ambientes privados em acolherem as vítimas e como isso isso reflete negativamente em suas vidas privadas e especialmente em eventual processo criminal. Assim, trazer os estabelecimentos comerciais para o debate e como garantidores é um passo importante para combater essa lacuna no país.

Outro avanço significativo é o fato de o Protocolo efetivamente trazer um passo a passo de como proteger e amparar as vítimas. Apesar de ainda ter lacunas a serem preenchidas por regulamentações posteriores, é certo que desenha um caminho muito mais palpável ao dono, à dona, ou gerente dos estabelecimentos que tiverem que implementar a norma. Isso traz segurança jurídica e maior efetividade na garantia dos direitos da vítima.

Por fim, o terceiro aspecto relevante é que o foco do Protocolo é o atendimento à vítima, e não a persecução criminal, ou seja, a busca pelo agressor e coleta de provas. Evidente que o procedimento de acautelar provas existe e é importante, inclusive foi um dos aspectos mais relevantes no Protocolo de Barcelona, No Callem, que tornou o processo contra Daniel Alves extremamente robusto e que resultará possivelmente numa condenação.

Porém, o princípio norteador é respeitar a vontade da vítima. A prioridade é ela. Essa é uma mudança de paradigma muito significativa, pois saímos de uma lógica meramente punitivista, para uma lógica que escuta a vítima. Por muitos anos, a lógica do direito penal sempre foi focada no criminoso e na conduta delituosa. A vítima ficava em segundo plano, sequer participando da ação penal, que era - e ainda é - de responsabilidade do Estado. O que o Protocolo faz na prática - avança e inova - é primeiro atender a vítima e entender o que ela quer fazer.

Isso é importante em crimes sexuais na medida em que nem sempre o processo criminal é a melhor opção para vítima, considerando tratar-se de um processo violento em que há revitimização. A vítima pode preferir tão somente ser atendida, escutada, retirada do ambiente e requerer apoio psicológico e nada mais, pois passar por todo o inquérito policial e ainda o processo penal pode significar reviver o momento pelo qual está lutando para esquecer e superar. Essa escolha cabe tão somente à vítima. O Protocolo acerta ao respeitar isso.

No entanto, apesar dos avanços, é necessário reconhecer que há muitos desafios. O principal deles é a implementação do Protocolo nos bares, casas noturnas, restaurantes, eventos esportivos e shows com venda de bebidas alcóolicas. Isso porque os estabelecimentos deverão treinar os seus funcionários para realizar o atendimento às vítimas e, inclusive, realizar alterações estruturais nos seus espaços, o que por si só já será um grande obstáculo.

Nesse ponto, o governo de cada estado e município, até mesmo em parceria com as associações e sistema S, deverão auxiliar e orientar esses estabelecimentos e os organizadores de eventos acerca do protocolo e como realizar os treinamentos com urgência, visto que o prazo para implementação é de 180 dias.

Outro desafio é o esforço comum entre poder público e privado no atendimento à vítima. Infelizmente, o Brasil ainda nutri uma cultura machista em que a culpa pela violência sofrida sempre é da vítima, seja pela sua personalidade, seu modo de agir ou de se vestir. Essa cultura do estupro, que está sempre desqualificando o relato da vítima e objetificando o corpo da mulher, permeia os próprios agentes do Poder Público - e dos setores privados - que atenderão essas mulheres vítimas de violência sexual, seja quando a polícia ao colher o depoimento e prestar o atendimento no local faz uma abordagem misógina, deslegitimadora e objetificadora da vítima, seja no hospital ao realizarem o exame de corpo de delito de forma violenta ou que não respeite a privacidade mulher, e até mesmo no estabelecimento comercial ao realizarem uma abordagem que não respeita o relato da vítima, diminui ou deslegitima a violência por ela sofrida.

A questão é: ao implementar o Protocolo Não é Não, tanto o Poder Público, em todas as suas esferas e braços, tanto o setor privado, precisa enfrentar a lógica da cultura do estupro e implementar o novo paradigma ao qual o Protocolo visa tanto garantir, qual seja, espaço seguros e igualitários às mulheres.

Portanto, o caso Daniel Alves influenciou diretamente a criação do Protocolo Não é Não, o qual representa um momento crucial de reflexão e ação no Brasil em relação ao combate à violência sexual. Avançamos significativamente, mas é certo que há muito trabalho a ser feito para criar uma sociedade verdadeiramente igualitária e livre de violência de gênero. Uma sociedade em que fantasia de Carnaval é apenas isso: expressão cultural e alegria; não um convite ao assédio.



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