Curitiba, 08 de Março de 2023.
10:22
O Brasil vivencia um quadro de epidemia de crimes sexuais praticados contra mulheres, crianças e adolescentes, sendo contabilizados apenas em 2021 mais de 66.000 casos.
Foto: Divulgação
por Geovana Machado*
No dia 08/03/1975 a ONU criou o Dia Internacional da Mulher para lembrar, celebrar e dar continuidade à luta das mulheres pela igualdade e fim de todo tipo de opressão. Apesar de existirem muitas conquistas, como por exemplo a lei do divórcio, a descriminalização da bigamia, a lei maria da penha entre outros, ainda existem muitos desafios a serem superados.
Poderíamos ressaltar tantos temas e desafios importantes como desigualdade salarial, precariedade do mercado de trabalho para as mulheres, baixa representatividade política, entre outros, mas o desafio mais urgente e necessário é o combate à epidemia de violência sexual.
No anuário Anuário Brasileiro de Segurança Pública (BUENO et al., 2022), publicado em agosto de 2022, retrata uma epidemia de casos de violência sexual contra meninas e mulheres. Só em 2021, foram 66.020 boletins de ocorrência de estupro e estupro de vulnerável registrados no Brasil. Se contabilizarmos a proporção de casos subnotificados, tendo por base a pesquisa realizada nos EUA - Boletim Vitimização Criminal - em que 8 a cada 10 vítimas de violência sexual não realizam denúncias, os casos subiriam para alarmantes 288.297 vítimas, apenas em 2021.
O Anuário ainda evidencia que os crimes sexuais contra as mulheres – cerca de 88% – são, em sua maioria (90%) cometidos contra jovens, ou seja meninas e mulheres abaixo dos 29 anos, sendo que os casos de estupro de meninas com menos de 14 anos é de 61,3%.
Esse é o retrato invisível de uma epidemia de agressões sexuais no Brasil.
Os casos de Mariana Ferrer, Klara Castanho, Robinho na Itália e Daniel Alves na Espanha, são apenas alguns exemplos de como a sociedade e o Estado lidam com as vítimas e seus agressores sexuais. Elas são julgadas, apedrejadas, sempre culpadas; eles sempre encontram um motivo para fugir da espada da Justiça e dos olhos julgadores da sociedade e das redes sociais.
São casos que exemplificam o porquê, de um lado, ainda existem muitos casos de subnotificação, impunidade e falta de amplo debate público, e, de outro, permanece o problema da cultura do estupro no país, ou seja, uma cultura que joga para debaixo do tapete as agressões sexuais contra crianças e mulheres.
Segundo o Anuário Brasileiro, quase 80% dos agressores sexuais eram conhecidos da vítima. Isto é, o problema está dentro de nossas casas! Esse dado já é relevante o suficiente para entender o motivo da alta taxa de subnotificação: o agressor é conhecido da vítima.
Ainda, a subnotificação é comum por vários outros fatores, dentre eles dificuldade de compreensão do próprio fenômeno enquanto crime, medo de retaliação do autor, constrangimento e até receio da possível revitimização que possa ocorrer ao realizar a denúncia.
Já o fenômeno da impunidade decorre tanto da subnotificação, quanto do processo criminal, que, apesar de entendimento praticamente pacificado nos Tribunais de que a palavra da vítima prevalece, não é raro vivenciarmos casos como os de Mariana Ferrer, em que a palavra da vítima é desmoralizada, utilizando-se a vida da mulher, suas roupas, sua aparência, até mesmo profissão para colocar descrédito em suas palavras. A defesa do acusado se repete como se fosse escrito pelo chatGPT. Sempre achando uma forma de culpabilizar a vítima, seja pelo lugar, horário, vestuário, personalidade entre outros.
Isso provoca não só a revitimização da vítima de agressão sexual, como também resulta em impunidade. Infelizmente, existem muitas Marianas pelo Brasil aguardando até o hoje a justiça que o Estado tanto promete, mas pouco entrega.
Por fim, não se pode diminuir o quanto a falta de amplo debate público sobre o tema contribui para a falta de informações, a propagação de fantasmas e a dificuldade de se combater ativamente os crimes sexuais tão endêmicos no país.
Casos como os de Robinho, condenado por estupro na Itália, mas que segue livremente pelas ruas do Brasil, se repetem em casos anônimos, sem repercussão midiática, aguardando o momento em que o Brasil terá a mesma eficiência e sensibilidade para lidar com os crimes sexuais tal como a Espanha lida: com foco no acolhimento da vítima, protocolos de guarda das provas e celeridade na resposta policial.
Dessa forma, no Dia Internacional da Mulher é importante celebrar as vitórias, sem fechar os olhos para os grandes desafios a serem enfrentados nesta década, especialmente a necessidade do combate à epidemia de violência sexual, evitando que mais Marianas e Klaras sejam violadas e tenham seus direitos sexuais e reprodutivos garantidos.
REFERÊNCIAS
BUENO, Samira et al. Uma década e mais de meio milhão de vítimas da violência sexual. In: Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022. Brasil: Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 2022.
*Presidente Estadual da Juventude do Cidadania23